sexta-feira, 29 de janeiro de 2016

Tarde de Verão

Tarde de Verão


Hoje, uma tarde fria de uma sexta-feira pacata, caminho sossegado entre as árvores e bancos do Jardim Botânico. Há uns trinta metros, logo à frente, entre o ipê-roxo florido e a quaresmeira solitária, eu observo um casal, aparentemente namorados. Os dois parecem felizes. Ora trocam carícias, ora caem na gargalhada. Continuo a observá-los. O local está quase vazio, não é para menos – a temperatura é de 22 ºC! Um pequeno roedor para em minha frente. Alimento-o com alguns biscoitos que trouxe no bolso da jaqueta. O vento frio sopra. Voltando os olhos para o jovem casal, vejo que os dois se olham ternamente, com uma docilidade e inocência que fica difícil conter a emoção. O roedor em minha frente, mal acabara de consumir o primeiro biscoito, quando escuto o som estridente das maritacas. Lanço o segundo e último biscoito ao chão. O raquítico animal o devora abruptamente, como se pressentisse que algo ruim estivesse próximo a acontecer e corre. O frio é de aplacar, e depois de uma hora sentados, os jovens continuam abraçados e cochichando ao pé do ouvido um do outro. Não há uma alma viva, exceto roedores, pequenos répteis e anfíbios que transitam, ora freneticamente, ora lentamente. Lembro-me saudoso do calor das tardes de verão, quando há crianças correndo por todos os lados, balões coloridos, picolés gigantes, pirulitos caricatos, pipoca doce e salgada, risos alegres e algazarra; macacos-prego, saguis e guaxinins por todos os lados, tucanos exóticos e, até, raríssimas araras! Porém, hoje todos se esconderam. A temperatura é de uns 20 ºC. Continuo a observar os jovens, agora, sem nenhuma distração. Estou esperando os dois se levantarem para que eu possa seguir meu caminho. Por um instante noto que uma lágrima cai dos olhos da menina e escorre pelo seu rosto singelo e límpido. O rapaz afaga sua face, como se quisesse aliviá-la de algum tormento ou dor. Parece que conversam sobre algo importante, pois os olhos fitados não dão margem para distrações, nem mesmo para as flores que caíam do ipê-roxo. Eles entrelaçam as mãos, dando a entender que irão levantar-se. Nada. Simplesmente queriam aumentar à superfície em contato de entre ambos! A temperatura continua a diminuir. Já não consigo suportar o vento gélido no meu rosto. Estou prestes a levantar-me e partir, quando, num instante, sou tomado por um medo incontrolável e incomum que paralisa meus músculos; o tempo torna-se lento demais e já não percebo os movimentos rápidos das copas dançando ao sabor do vento; as folhas caídas ao chão, varridas pela brisa congelante. O jovem casal parece cada vez mais distante e inerte. Meu corpo não responde e o coração, na contramão, bate desesperadamente. Perco os sentidos a cada segundo que se passa se é que posso falar em segundos, já que não percebo o tempo. Os jovens ficam cada vez mais distantes dos meus olhos; as árvores distorcidas, os bancos e ladrilhos no chão misturam-se em um balé cósmico colossal. Com minhas últimas forças, fecho os olhos rapidamente. E, como o grito de um guerreiro liderando a frente de batalha, o céu emite um poderoso, estrondoso e ecoante trovão! Vou abrindo os olhos lentamente, bem devagar. Estou em meu quarto, deitado em minha cama, em plena sexta-feira, numa tarde de verão. A temperatura é 38 °C.

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