A insônia do escritor
Estou
sozinho. São duas e cinquenta e quarto da manhã, assim me informa o despertador
sobre o criado-mudo. Meu corpo deitado na velha cama descansa de um dia exaustivo. O sono distancia-se cada vez mais. Não consigo fechar os olhos; os
pensamentos são vazios e não entendo essa situação. Os cães estão uivando lá
fora. Os gatos vadiam sobre o telhado, acasalando-se desesperados. A velha
camisa, suada, está pendurada atrás da porta. A janela, entreaberta, deixa o
vento fresco, que suavemente balança as copas das árvores. Meus lábios estão
ressecados. A língua colada no céu da boca. Vou levantar-me. A cama já não me
atrela como há duas horas quando, depois da noite anterior em claro, vim a
deitar-me pela primeira vez. O chão está frio. O corpo arrepia-se. Procuro meu
chinelo; não o encontro. Não estou plenamente recuperado; o cansaço e a fadiga
estão presentes em meus músculos e mente. Depois de alguns passos, chego à
porta do quarto. Tateio à procura do interruptor. Encontrei. A lâmpada acende e
rasga meus olhos com uma intensa claridade. Faço isso por duas vezes antes de
chegar à cozinha. Percebo que o ambiente não está apropriado para receber
visitas – roupas espalhadas, livros e papéis por todos os lados, restos de comida
sobre a mesinha da sala e muitas garrafas vazias. Minha barba e cabelo estão
compridos. Abro a geladeira. Tenho poucas opções, há tempos não vou ao
supermercado. Água em abundância, algumas folhas, que de tão velhas, estão
murchas, um pouco de queijo, uma panela com arroz da semana passada e uma
conserva de palmito. Não há sólido interessante para colocar no estômago, então
bebo um copo com água. Continuo a procurar algo para comer. A insônia persiste.
Abrindo os armários deparo-me com muitas latas, dos mais variados tipos de
alimento – ervilha, milho, doce, palmito, cogumelos, cenoura, beterraba, etc. –
tudo em conserva! Não recordo o dia em que foram parar ali. Porém, além das
conservas, há garrafas - e não são poucas. A sede ainda é intensa, não mais por
água; é uma sede diferente. Então, abrindo qualquer uma dos recipientes
contendo exclusivamente líquido, passo a apaziguar essa sede. O gargalo é meu
copo. O relógio marca quatro e dezessete da manhã. A garrafa, já meio vazia,
repousa sobre o chão frio e sujo da cozinha. Estou sentado, recostado na
parede. A garrafa e uma lata fria de sardinha são minhas companhias. O olhar é
vago. A cozinha um dia foi um ambiente aprazível. Continuo sentado. Ouço a som
da trepidação dos pneus dos carros passando sobre o calçamento em frente a
minha casa. Ora passam em silêncio, ora buzinam para os cachorros. Mais uma vez
viro a garrafa. O odor da sardinha empesteia a cozinha. Minhas narinas não
diferenciam nenhum outro ativador sensorial olfativo – apenas o clássico cheiro
de sardinha em lata. A garrafa está quase vazia. Os meus olhos estão ficando
cada vez mais pesados. Minha língua está entorpecida e dormente. Minhas pernas
não respondem; meus braços adormecidos. Meus ouvidos ficam a cada segundo mais
distantes. Os lábios inquietos. Minha
mente entra num vazio profundo. Não é sono. É algo mais profundo, como uma
anestesia. Os olhos não suportam o peso que viera a atormentá-los. Fecham-se. O
corpo não sustenta e cai lateralmente. O silêncio é assustadoramente
perturbador. São três e quarenta e dois da manhã. Apenas o som das teclas do
computador pode ser ouvido nessa madrugada.
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